terça-feira, 25 de novembro de 2008

Marica só pode ser descrita em muitas, muitas palavras...

Quando eu era criança meus avós tinham uma casa em Marica.

Meu avô comprou um terreno em Itapeba, distrito de Marica em 1976 e começou a construir nossa casa devagar, como o dinheiro permitia, isso foi antes deu nascer.

Tudo foi feito aos poucos com a ajuda de todos.
Um amigo nos deu de presente a planta da casa.
Meu outro avô (paterno) era dono de uma casa de construção e nos deu azulejos para o banheiro e cozinha. Reza a lenda que no início era só no box, mas desde que eu possa me lembrar o banheiro já era todo azulejado. Ele também nos deu a caixa d’água de 1000 litros. Para uma casa que vivia lotada 1000l não era nada, então logo alguém berrava ensaboado de dentro do box: acabou a áaaagua, e começava o telefone sem fio: "liga a booomba", "já ligueeeei" e alguns minutos depois: "olha o ladrãaaaaao", alguém avisando que a caixa já estava cheia, a água estava vazando pelo ladrão e molhando nosso quintal todo, era hora de desligar a bomba.
As portas e janelas foram dadas pelo irmão da minha avó. Eram de ferro verde e fechavam com outra parte de vidro. Reza outra lenda que no início minha família tinha que colocar filó nas janelas para os insetos não entrarem, mas eu não peguei essa época, peguei as janelas já com uma enorme tela verde que acoplávamos a elas, mas que cismavam em cair toda hora deixando os mosquitos entrarem. Aí, alguém tinha que ir por fora da casa e num malabarismo acoplar a enorme tela de volta no lugar. Tínhamos outras armas para os mosquitos, usávamos um tipo de incenso em espiral que era repelente, luzes amarelas na sala, não estou falando de luz quente, estou falando de luz quente pintada com uma tinta amarela porque não se sabe quem disse que luz amarela espantava mosquitos e eram tantos, assim como nosso desespero, que nem questionávamos a veracidade dos fatos. Ah, e ainda é claro, passávamos repelente.

Os móveis eram de alvenaria e o tampo de mármore da grande mesa da sala também foi doado por um tio do meu pai, e assim a casa de Marica foi sendo construída.

O resto dos móveis da sala era uma estante velha, uma rede, cadeiras de praia e uma antiga televisão com Bombril na ponta das antenas.

A parede era de cimento chapiscado, só para cobrir os tijolos, os do teto apareciam. O piso da casa também nos fora dado, era de cerâmica não vitrificada. De início podia parecer estranho, mas logo percebemos a praticidade do piso porque não precisávamos nos preocupar em não molhar a casa depois de um dia na piscina Toni de 2.000l, pois secava rapidinho. E se a casa ficasse suja, era só entrar com uma mangueira na casa e lavar a casa toda, pois o chão absorvia a água e logo estava tudo sequinho e ainda fresquinho.

Porta só tinha no banheiro. A experiência de ter quartos sem portas nos foi útil, pois percebemos que a falta de privacidade era o ponto alto da casa e quem quer que fosse para lá, e o que mais tinha era gente querendo ir para lá, já sabia que teria que conviver com isso.

Marica era a prova do que o simples pode ser mágico.


Minha deliciosa infância em Marica

Todos os nossos momentos naquela casa foram mágicos. Nós, as crianças da época, ficávamos soltos por Itapeba sem que nossos pais ficassem preocupados, e passávamos o dia inteiro “explorando” as “matas” da região. Fizemos muito bolinhos de terra enfeitados com flores que pegávamos caídas pelo chão, vestimo-nos de bate bola no carnaval, pegamos frutas no terreno dos outros, até roubar galinha da vizinha roubamos (digo, o meu irmão, né? Claro), mas não colocamos na panela, até porque essa não era a intenção. A muito custo e depois de uma boa bronca, a galinha foi devolvida à dona, que provavelmente a colocou na panela. Fizemos arco e flecha de bambu, matamos cobra, meu irmão plantou um pé de cana que, para nossa alegria, pegou. Criamos pintinhos, acolhemos gatos de rua. Teve gente caindo de árvore, teve gente caindo no rio, mas não foi criança, o que prova que adulto também apronta.

Era lá que andávamos de bicicleta, que aprendíamos com meu avô tantas músicas da época dele que, além das letras, aprendemos a gostar.
Foi lá que convivemos com rãs, marimbondos, lagartixas, vacas, galinhas, patos e tantos outros bichos inclusive piolhos para desespero das mães.
Ainda vivi no meio de bananeiras, pitangueiras, pés de jamelão, limoeiros, enormes pés de jaca (eu sempre ficava pensando em como Deus foi brincalhão ao fazer jacas dar em árvores), mangueiras dentre outras tantas.


Um lugar mágico para crianças e adultos

Enquanto nós só tínhamos o dever de nos divertir, os adultos também se divertiam, visto que a única preocupação com a gente era a hora das refeições. As refeições? O que tinha de mais simples, rápido e prático, para que ninguém perdesse tempo com elas. Então os mais clássicos e fantásticos pratos em Marica eram macarrão com salsichas, arroz com ovo mexido (ou ovinho de Marica), e cachorro-quente de lanche.
Isso quando os adultos não faziam churrasco na nossa super churrasqueira de tijolos empilhados a beira da piscina Toni. Os petiscos? Ovo de codorna, salaminho, azeitona, queijinho prato cortado em cubinhos... Para os adultos cerveja e para as crianças refrigerante.

Em época de carnaval íamos dormir tarde da noite. Os adultos torcendo cada um para sua escola de samba e era uma briga que valia a pena. Por causa dessa época eu passei a gostar de samba. Sei muitos sambas enredo da década de 80, época que freqüentávamos a casa e mesmo eu sendo bem pequena gravei as letras.
Também havia carteado até tarde. Nós, crianças, não participávamos, ficávamos só ouvindo os assuntos e as divertidas brigas, os roubos da minha avó e de um tio, aqueles que não sabem perder, outros que erravam as contas quando estavam “vu”...

O terreno do lado era abandonado, só tinha um grande pé de jamelão no centro, que era “nosso”, e uma vala bem ao lado do nosso muro, fedorenta e cheia de mosquitos. Naquela época nosso senso ecológico era zero, já que aquilo era uma vala mesmo, era um tal de voar lata de cerveja por sobre o muro. Lata de lixo, pra que? Joga na vala do vizinho. Uma das diversões dos adultos era colocar latinhas de cerveja em cima do muro e tentar derrubá-las com uma espingarda de chumbinho e se acertassem a lata já caia na vala do vizinho. A vala se vingava da gente, era só começar a chover.


Mesmo com imprevistos nosso paraíso era Marica

Por duas vezes houve uma forte chuva em Itapeba enquanto estávamos lá, a água foi subindo, subindo até que entrou em casa. Um das vezes, meu pai colocou as crianças dentro de um bote (que ele tinha e usava para passear com meu irmão pela lagoa de Marica que ficava a poucas quadras da nossa casa) para podermos sair da casa sem precisar nos molhar nas águas imundas misturadas as águas da vala e de todo lixo que jogávamos nela. Para os adultos muita preocupação, mas para as crianças uma super diversão, passear de bote por cima do muro da casa, onde mais poderíamos fazer isso senão em Maricá?

Depois que os adultos tiravam da tomada tudo que podiam e ainda colocavam os colchões em cima da nossa super mesa da sala, que era alta, eram eles que saiam andando alagados nas águas da chuva e lá íamos nós procurar abrigo. Normalmente quem nos dava abrigo era um vizinho que morava na parte alta da rua que não alagava, ele tinha uma oficina em frente à casa dele e nos deixava ficar lá. A oficina do vizinho tinha muitas goteiras, mas tudo era festa, pelo menos para as crianças. No final agradecíamos a hospedagem, que era muito generosa e éramos muitos.

A aventura pós-enchente era voltar para nossa casa e olhar pelas marcas na parede até onde tinha chegado o nível da água, às vezes era bem assustador ver a invasão das águas.

Com tudo isso, toda essa aventura e pouco conforto, a casa só podia viver cheia, era uma briga danada para ver quem ia, eu nem me preocupava com isso afinal a casa era nossa. Até gente acampada no quintal já teve, já abrigamos 50 pessoas entre tios, primos, amigos, vizinhos do Rio...

Nossa casa era simples, mas alegre e muito, muito feliz. Durante 10 anos fomos todas as férias e feriados religiosamente para nossa casa encantada onde fomos marcados para sempre.


E, finalmente, parafraseando a minha mãe: Também conhecida como Casa do Anu: ave preta, pequena, de bico forte e voraz, destruidora de insetos, nossa heroína.

Um comentário:

CRISTINA disse...

Ah Moniquette, quanta saudade!!! Vc foi perfeita na descrição daqueles deliciosos anos passados em Maricá. Agradeço a Deus ter me permitido vivenciá-los junto com vcs. Te amo, sua mãe.

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